23/11/2016 7h36

Enfermeira relata agonia após se espetar em agulha de paciente. Incertezas sobre diagnóstico e tratamento causam apreensão.

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Não achei que fosse acontecer tão cedo comigo, apenas alguns meses depois de começar minha segunda carreira como enfermeira. Atingi meu polegar com uma agulha larga cheia do sangue de um paciente com hepatite C, que havia chegado ao pronto-socorro com dores abdominais. Isso aconteceu com uma seringa de dez mililitros que eu usava para transferir sangue de um tubo para outro. Eu havia sido treinada para não fazer isso; era uma péssima ideia. Porém, coloquei o conforto de meu paciente acima de minha própria segurança: quando fiquei sabendo que um exame de sangue adicional havia sido solicitado, quis resguardá-lo da dor de uma segunda picada de agulha. Pensei melhor de minha decisão de fazer a transferência e hesitei – assim que percebia a agulha se sobrando enquanto eu lutava para perfurar a rígida tampa superior do tubo de amostra. Duas gotas de sangue saíram da ponta da agulha.

“Em seguida vi uma mancha de sangue em minha luva e temi que a outra gota houvesse entrado em meu polegar. Fiquei paralisada, sem respirar”

Com algum estímulo de meus colegas, surgiu o protocolo: corri até a pia, sangrei o ferimento, lavei-o com sabão e água quente e conferi a ficha do paciente por seu status HIV. Nada. Perguntei se ele se importaria em fazer um exame; sentindo pena de mim, ele concordou, embora me garantindo ser negativo. Corri até o conselheiro de HIV numa unidade próxima e disse a ele o que havia acontecido. Dentro de cinco minutos, a novidade já estava ali: um exame rápido de HIV havia dado negativo. Por enquanto, de qualquer forma.

Exames Antes de qualquer coisa, lá estava eu no gabinete de saúde dos funcionários, com o médico que me reconheceu de meu exame admissional em meu primeiro dia de trabalho, 10 meses antes, meneando suas sobrancelhas e balançando sua caneta, esperando por um sim ou não: eu queria ou não um tratamento PEP? A sigla vem do inglês para profilaxia pós-exposição: um mês de tratamento que iria, por um lado, me proporcionar alguma paz de espírito, e por outro, me deixaria extremamente doente. Essa é uma decisão que muitos funcionários da saúde azarados têm de tomar, e uma decisão que não pode esperar. Para ser eficaz, o tratamento PEP para o vírus da Aids precisa começar imediatamente após o ferimento e tem de continuar, de forma ininterrupta, por cerca de quatro semanas. Envolve uma combinação de múltiplos medicamentos antiretrovirais, cujos efeitos colaterais costumam incluir ataques de cãibras abdominais, diarreias, náuseas e vômitos.

O médico me encorajou a aceitar o tratamento.
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“Você se sentirá mal”, disse ele, “mas ainda conseguirá trabalhar”.

Fiquei ouvindo ele falar, mas sabia, desde a primeira palavra, que eu iria recusar. Tudo que conseguia pensar era duas enfermeiras que, em meu trabalho como escritora, eu havia entrevistado num artigo sobre este mesmo assunto. Uma havia optado pelo tratamento PEP após ser atingida por uma seringa com sangue que um residente havia deixado na roupa de cama de um paciente morrendo de Aids num hospital municipal. Por seus relatos, e pelos dos médicos e advogados envolvidos em sua (vitoriosa) ação por negligência movida contra a prefeitura, ela sofreu seis meses de efeitos colaterais físicos e psicológicos, apesar de nunca ter sido testada como soropositiva.

A outra enfermeira não teve tanta sorte. Ela optou contra o PEP após o contato com uma agulha de um paciente cujo status de HIV era desconhecido na ocasião. Ela subsequentemente recebeu um resultado positivo para o vírus e hoje é uma defensora assumida do uso de equipamentos hospitalares mais seguros. Assim como eu, ambas foram atingidas por agulhas grandes e sangrentas. E, apesar de suas experiências, as estatísticas mostram que o risco de contrair HIV de uma picada de agulha é muito baixo. O que importa é o nível viral do paciente e a profundidade do ferimento: quanto mais alto o nível e mais profundo o ferimento, maior o risco.

Probabilidade

No meu caso, conforme calculei, mesmo que o teste rápido fosse um falso-negativo (significando que o paciente era portador do vírus, mas o exame ainda não o tivesse mostrado), a carga viral do paciente não poderia ser muito alta.

E a agulha não havia ido muito fundo. Assim, recusei o tratamento PEP, confiante que as probabilidades estavam a meu favor. Enquanto a tinta secava nos formulários, a funcionária preparou suprimentos para o primeiro dos seis exames de sangue a que eu me submeteria a intervalos prescritos durante o ano seguinte (até agora, três já deram negativo). Não espero me sentir livre até o último dos exames, mas não me preocupo. Na verdade, este artigo é o primeiro que qualquer um – exceto meus colegas e meu marido – conhecerá sobre este assunto. Guardei isso para mim, sabendo que, numa conversa com meus entes queridos sobre riscos, as emoções reinam supremas sobre a razão. Estatísticas são insignificantes a uma mãe preocupada com que um de seus piores pesadelos esteja se tornando realidade. Para ela, um risco médio de 1,8% de contrair hepatite C e um de 0,3% para HIV acabam significando 100% de noites sem dormir.

Fonte: MILLENIUM (www.sol-m.com.br

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