26/03/2015 16h00

Secretária de Saúde acusada de racismo contra médica é afastada

O prefeito de Santa Helena, no oeste do Paraná, decidiu afastar a secretária de Saúde, Terezinha Madalena Bottega, depois de denúncias feitas por uma médica do Programa Mais Médicos de que havia recebido comentários racistas sobre o penteado no estilo “dreadlock” que usa. A gaúcha Thatiane Santos da Silva, de 30 anos, relatou o caso ao Ministério da Saúde, que notificou a prefeitura a dar explicações no prazo de cinco dias.

De acordo com a médica, o comentário foi feito na quinta-feira (19) durante uma reunião para definir as estratégias de trabalho no Programa Saúde da Família. Constrangida com a abordagem da responsável pela pasta, Thatiane fez um Boletim de Ocorrência na sexta (20), encaminhou uma carta ao Ministério da Saúde (MS) e denunciou o caso ao Conselho Federal de Medicina (CFM).

Médica do Programa Mais Médicos que atua em Santa Helena, no oeste do Paraná, denunciou suposto caso de racismo ao Ministério da Saúde (Foto: Facebook / Reprodução).

Médica do Programa Mais Médicos que atua em Santa Helena, no oeste do Paraná, denunciou suposto caso de racismo ao Ministério da Saúde (Foto: Facebook / Reprodução).

“Assim que entrei na sala, ela, e a assistente, disseram que queriam falar comigo sobre um problema: o meu cabelo. De acordo com elas, os pacientes estavam acostumados com um padrão de médicos, como se fossem deuses, e que eu poderia encontrar dificuldades pelo preconceito que eles poderiam ter com meu cabelo”, lembrou. “Já trabalhei no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul e em nenhum momento senti qualquer resistência quanto à maneira como me visto ou à cor da minha pele”, reforçou.

A decisão de afastamento foi publicada no Diário Oficial do Município. A portaria 70/2015 estabelece a abertura de uma sindicância especial para “a apuração, infração
legal e responsabilização, em relação aos fatos relativos a possível conduta discriminatória, no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde”. O prazo para a conclusão das investigações é de 15 dias. Até a publicação desta reportagem, o prefeito Jucerlei Sotoriva não havia sido encontrado para falar sobre o caso.

O caso
A clínica geral cursou medicina em Cuba, onde se formou em 2012. Em 2013, fez o Sistema de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para obter o registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) e poder atuar no Brasil. Ela chegou a Santa Helena no início de março e desde segunda-feira (23) está trabalhando no posto de saúde do bairro São Clemente.

“Com exceção da secretária e da assistente dela, fui muito bem recebida pelas pessoas. Não percebi esse problema que a senhora Terezinha insistiu em antecipar dizendo que estava pensando apenas em me proteger. Ela generalizou a população como se todos fossem preconceituosos e racistas. Cada um deve ser respeitado independentemente de seu cabelo, cor da pele, crenças ou escolhas pessoais. Estas características não podem interferir na qualidade profissional”, ressaltou a médica ao adiantar que uma comissão do Ministério da Saúde deve visitar a cidade na sexta-feira (27) para investigar o caso. “Abri mão da residência médica para trabalhar em Santa Helena e não quero sair daqui.”

Intenção de proteger
Nesta quarta-feira (25), Terezinha não foi encontrada para comentar o afastamento. Mas, na terça-feira, a secretária disse ao G1 que não teve a intenção de ser preconceituosa ao fazer o comentário sobre o estilo do cabelo da médica, mas apenas alertá-la sobre a possível reação de alguns pacientes. “Em nenhum momento quis ofendê-la. A intenção foi até protegê-la de uma eventual resistência ou comentário dos pacientes. Não teve nada a ver com cor da pele ou raça, foi com o cabelo dread, por causa do visual e do cheiro diferente que, em uma sala fechada, exala”, justificou.

“A conversa com ela foi tranquila. Ela me respondeu dizendo que estava preparada porque era militante, negra e mulher e que não mudaria o seu estilo. Na ocasião me desculpei e não imaginava que teria essa repercussão toda. Não deveria ter feito o comentário”, arrependeu-se a secretária. “Dos nove médicos do Mais Médicos que temos, oito são negros e, destes, quatro são cubanos. Por imaginar a resistência da população – a maioria de ascendência italiana e alemã – sempre tive esta preocupação com a integração. Para evitar os constrangimentos procurava levar os profissionais a encontros com a comunidade e outras atividades.”

Em nota, o Ministério da Saúde informou que a Coordenação Nacional do Mais Médicos já tomou conhecimento do caso e que deverá acompanhar a denúncia. “O município foi notificado na segunda-feira (23) para apuração dos fatos. Conforme preveem as regras do Programa, o gestor local tem o prazo de cinco dias para prestar esclarecimentos. Caso não seja apresentada justificativa dentro do prazo ou comprovada a irregularidade, o município estará sujeito a sanções do Ministério da Saúde, no âmbito do Programa Mais Médicos para o Brasil.”

Por meio do comunicado, o MS também disse repudiar “veementemente todas as formas de discriminação étnico-racial, reconhecendo o preconceito como determinante social que impacta diretamente nas condições de saúde e de vida dos brasileiros” e orienta que denúncias podem ser feitas pelo Disque Saúde 136.

Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, a secretária recebeu a notificação do Ministério da Saúde no fim da tarde de terça e está preparando os esclarecimentos devidos.

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